Resenha


ABRANTES, Alômia. Paraíba, Mulher Macho: tessituras de gênero, (desa) fios da História. Paraíba, século XX. Recife: UFPE, 2008, p.115-224

Alômia Abrantes da Silva concluiu seu doutorado na UFPE no ano de 2008, tendo como orientador o Professor doutor Durval Muniz de Albuquerque Junior. Atualmente é professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB- Campus III), onde atua nas áreas de História Medieval e de Estudos de Gênero. Faz parte do Grupo de Pesquisa em História Cultural, privilegiando as discussões de Gênero, Corpo e Sensibilidades. Coordenando pesquisa vinculada ao CNPq, através do edital de Ciências Humanas e Sociais. Interessa-se especialmente pelas análises que envolvem imprensa e imagem.
Em seu trabalho de doutorado: Paraíba, Mulher Macho: tessituras de gênero, (desa) fios da História. Paraíba, século XX. Recife: UFPE, 2008, Abrantes afirma já nas primeiras paginas introdutórias de sua obra, que trabalhar com o tema “Paraíba mulher-macho envolve questões morais, políticas, identitárias que já se acentuavam antes de vir à discussão até os dias de hoje é fruto de debates”.
A autora ao longo de toda sua escrita vai construindo e desconstruindo os mitos e peripécias que circundam o tema de sua obra, a ambiguidade que traz a afirmação Paraíba Mulher-macho, parte desde o significado da mulher nordestina, a paraibana forte e viril, até a questão da honra tão valorizada no início do século XX.
Mas seria interessante primeiramente discutirmos como o sentido ambíguo, dessa frase iniciou-se, e Abrantes tem como um dos pontos que nortearão o seu trabalho a letra da musica “Paraíba”, escrita por Luís Gonzaga e Humberto Teixeira, em primeiro momento foi escrita, como declara seus próprios autores para homenagear, a “Paraíba, um estado tão pequeno é que se mostrou tão forte nos acontecimentos de 1930”, e não como uma forma pejorativa com a figura feminina, o sentido positivo que daria margem a mulher paraibana é a de uma “mulher que luta é batalha, que possui a coragem de um homem”.
Posteriormente a música foi utilizada na campanha política do candidato ao senado José Pereira de Lira,já que a figura do mesmo é enaltecida na musica,fazendo uma alusão ao pau-pereira uma madeira de vegetação resistente. Ao se dizer “Eita pau pereira, que em princesa já roncou”, vamos observar a historia desse coronel paraibano que por mais que tenha tido acesso aos estudos e tenha “experimentado ventos cosmopolitas”, construiu a imagem de um sertanejo por natureza, lutador e ardil.
E é essa figura o ideal de homem nordestino da época, o valente, que luta em defesa da honra e do bem,assim como foi José Pereira que lutou na Revolta de Princesa,”entre as causas da revolta, está o aumento tributário, que colocou frente a frente, o coronel e o seu contingente armado e o governador da Paraíba João Pessoa” (Gurjão, pg. 73). Com essa atitude, o mesmo é considerado um dos responsáveis pela independência desse território em relação ao estado da Paraíba.
A música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira é composta nas suas linhas por um cruzamento que é “o de uma terra fêmea, onde vive cabra-macho”, e ao longo do trabalho da autora, a mesma vai mencionando os grandes vultos paraibanos que contribuíram para que essa dualidade fosse composta, como exemplo a figura do próprio João Pessoa, marcado como um herói, e também a dos outros políticos que fizeram com que a Paraíba, na considerada Republica velha tivesse um papel de destaque, seja por suas lutas políticas, ambições ou valorização da honra.
Mas como toda obra-prima tem seus pontos enaltecedores e também os seus pontos de critica negativos,o sentido dual que a musica “Paraíba” ao se escrita e cantada repassa,deixa claro que desde o momento em que foi lançada, abre margem para polêmicas. Em uma época de campanha política tão acirrada, e em um tempo de tradições de honradez tão forte, como deixa especificada a autora, não haveria outra reação a não ser a de condenar a canção, primeiramente pelo seu sentido “discriminativo”, com a mulher e em segundo por que esse sentido dava margem a condenar a campanha política de José Pereira, por permitir que Luiz Gonzaga “humilhasse a mulher paraibana” a masculinizando.
 Os opositores políticos de José Pereira não quiseram dar destaque ao teor elogioso da música em relação à terra paraibana, pequenina, mas forte, e sim privilegiaram “pegar carona” na dualidade existente na canção, e passar para o eleitorado que as ferramentas usadas pelo candidato eram desrespeitosas a figura da mulher paraibana, que merecia todo respeito.
 O processo político na Paraíba, entre os anos de 1889-1930, eram bastante acirrados e como observamos a partir da leitura do texto de Eliete Gurjão, as disputas eleitorais “era iniciada muito antes do pleito... os chefes políticos costumavam falsear os votos e os resultados das urnas, contabilizando votos existentes ou não para seus candidatos” (Gurjão, pg.56). O trecho de Gurjão mostra que os políticos não poupavam esforços para conseguir vencer as eleições, e no caso de José Pereira, a letra da musica “Paraíba”, favoreceu se denegrir a postura do candidato.
Abrantes afirma em sua obra que mesmo se não houvesse a interjeição utilizada por Luiz Gonzaga “muié macho! Sim sinhô!!!...”, a letra em sim deixa resquícios para sentidos ambíguos, ao se afirmar mulher-macho.
Os oposicionistas não teriam margem para denegrir a campanha de José Pereira, se, por exemplo, a composição da música “Paraíba”, tivesse um estilo mais requintado e com um vocábulo culto, a exemplo como o Hino do estado da Paraíba de composição do maestro Abdon Felinto Milanez e letra de Francisco Aurélio Figueiredo e Melo como podemos observar em seu refrão:

Salve, ó berço do heroísmo,
Paraíba terra amada.
Via - Láctea do civismo,
Sob o céu do amor traçada!

 Analisando um pouco o refrão, observamos que os autores, não deixam margem para outros sentidos a não ser, o elogio a terra Paraíba, o “berço do heroísmo”, dando destaque às lutas e vitorias no qual passou o nosso estado, já que coloca que foi a nossa terra que fomentou o heroísmo, e traçando a Paraíba como as estrelas do patriotismo, deixando nas entrelinhas a dedicação dos grandes personagens políticos que aqui viveram e que lutaram pelos interesses da Paraíba e do Brasil, como a figura do próprio José Pereira, no seu levante para separação de Princesa, do restante do estado da Paraíba, como já foi mencionado.   
            Mas não levaremos a pontos extremos a comparação, visto que a canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, não foi escrita para se tornar um hino do estado, queremos apenas acentuar a observação, que ao nosso olhar é bastante positiva, feita pela autora Abrantes, mostrando que as palavras utilizadas na música “Paraíba” deixam margens para duplos sentidos.
            Duplo sentido esse que se olharmos na dualidade da música, até o sentido encarado como polêmico, o ser feminino agora masculinizado, traz para o debate a figura de Anayde Beiriz, que no desenrolar de todos os acontecimentos da época, a Revolução de 30, tem com louvor registrado na história a marca de uma mulher que não se deteve as convenções e padrões sociais de sua época, seria um equivoco afirmarmos que Beiriz foi uma figura feminina a frente de seu tempo, mas sim foi uma mulher que no sentido literal da palavra teve a personalidade e atitudes de uma verdadeira “muié macho! Sim sinhô!...”, se comportando aos moldes e padrões que bem lhe parecia convir.
Ao Luiz Gonzaga compor a musicalidade, deixando margem para a interpretação de uma mulher masculinizada, Beiriz entra em cena na medida em que, tem atitudes revolucionarias e caráter de um homem, demonstrando isso com suas próprias ações, e em momento algum levando ao termo pejorativo da palavra com atitudes pessoais de um “machão”, haja vista ser uma mulher sedenta de desejos e que despertava nos homens que a rodeavam impulsos que qualquer figura feminina, pudesse impulsionar em especial Beiriz que para a época era considerada uma “sem vergonha”, e despudorada, devido ao seu relacionamento com João Dantas.
 Abrantes vai tecer em sua obra, a figura de Anayde Beiriz como a “construção de uma feminidade, aquela tecida no entrelaçamento do modelo de masculinidade do passado constantemente reiterado...” (Abrantes, pg. 181). Figura essa que ganha destaque, sobretudo após a produção do filme “Parahyba Mulher Macho”, que fomentou ainda mais o interesse pelos acontecimentos da Revolução de 1930, como afirma a autora.
            È com a produção cinematográfica citada acima, que surge o interesse para se “restaurar”, o lugar de Beiriz ao lado de figuras tão importantes do acontecimento da época, como é o caso de José Pereira. Se “o pau pereira já roncou”, como coloca os compositores de “Paraíba” sobre o Coronel Pereira, a partir do que passa a historiografia paraibana, a respeito de Beiriz, e também com base em seus escritos e suas atitudes,para os padrões da época em que viveu,podem afirmar que uma das figuras femininas do nosso estado que pó ser considerada uma “mulher-macho sim senhor” é Anayde Beiriz.
A autora Abrantes, consegue fazer com que os leitores de sua tese percebam na figura de Beiriz, que os gestos e atitudes dessa professora e escritora tão polêmica, se tornem marcas registradas de uma memória que pode ser “inventada” ou “reinventada” de uma tradição.
Tomando a composição tão cheia de duplo sentido e que permeia discussões até os dias atuais, observamos que a idéia de Alômia Abrantes, de tecer o perfil de uma “Paraíba, mulher- macho”, desperta a ideia de trazermos a margem personalidades de destaque honroso, de caráter viril e de atitudes dignas de louvor, que muitas vezes são esquecidas, ou lembradas pelos escritos de uma maneira não tão bem merecida. O objetivo dessa resenha foi trazer as figuras de José Pereira e Anayde Beiriz, interpretando as dualidades presentes na música, com as facetas de ambos na "Revolução de 30".   
   

Referência Bibliográfica de apoio:

GURJÃO, Eliete Q. A Paraíba republicana. In:_ Estruturas de poder na Paraíba. João Pessoa: Edufpb, 1999.
             

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